Filme A Bolsa ou a Vida retrata a desigualdade social no Brasil

fevereiro 23, 2022

O filme “A Bolsa ou a Vida”, lançado em 2021, retrata a desigualdade social no Brasil e contesta o sistema financeiro.

O vídeo do documentário completo está disponível, gratuitamente, no canal Caliban do YouTube – clique aqui.

Temática abordada

O filme é o manifesto de intelectuais contra a excessiva concentração de riquezas no Brasil e a exclusão da população mais pobre.

Um dos entrevistados, o economista Eduardo Moreira, diagnostica que os pobres não conseguem melhorar de vida no Brasil, pois lhes faltam os capitais financeiro, tecnológico (máquinas) e intelectual (conhecimento).

Os pobres são obrigados a morar em habitações precárias na periferia das grandes cidades brasileiras. Nesses locais faltam infraestruturas e serviços públicos. Consequentemente, a população fica sem assistência adequada e sujeita às milícias organizadas.

Além do déficit de moradias e infraestrutura, a população trabalhadora enfrenta dificuldades de mobilidade urbana. Utiliza  transporte público caro e desconfortável para deslocamento até o trabalho em regiões distantes nas cidades.

Diversas questões ambientais demandam maior atenção por parte dos governos. O país tem vastos recursos ambientais, mas sua exploração desequilibrada compromete a sustentabilidade, especialmente na Amazônia. O desmatamento das florestas objetiva a implantação de monoculturas, pecuária e o extrativismo mineral, contribuindo para aumentar os efeitos das mudanças climáticas.

Os entrevistados apontam que o sistema financeiro tem contribuído para aumentar a desigualdade e a exclusão social, mediante o esfacelamento das políticas públicas do Estado e privatizações. A cultura tem sido desprezada.

Bancos cobram taxas de juros elevadas que geram maior endividamento ou são inacessíveis aos mais pobres e aos micro e pequenos empreendedores.

O dinheiro captado pelos bancos é reinvestido no sistema financeiro. Grandes corporações sem atuação sustentável recebem aportes e captam recursos na Bolsa de Valores, mantendo o ciclo vicioso.

Após a pandemia Covid-19, a desigualdade social aumentou em função da perda de empregos e dificuldade para retomada das atividades econômicas.

Ficha Técnica

  • Título: A Bolsa ou a Vida
  • Categoria: Documentário  filme-manifesto com entrevistas
  • Direção: Silvio Tendler
  • Duração: 102 min (1 h 42 min)
  • Ano de lançamento: 2021
  • País: Brasil

Resenha Crítica do GEDAF

O filme tem o mérito de mostrar a grande desigualdade social no Brasil, agravada pela pandemia, estimular reflexões sobre a economia e a exploração insustentável da natureza.

Contudo, falha em aprofundar a análise das deficiências estruturais do país. O roteiro é superficial e tem viés ideológico.

Houve participação de defensores do socialismo que se contrapõem ao capitalismo financeiro devido às mazelas do Brasil. O excesso de dramatização é risível na caricatura grotesca do drácula com sangue nos dentes sob a forma de barras vermelhas no gráfico do pregão da bolsa.

As letras das músicas e poemas merecem destaque. Passam mensagens para aliviar frustrações existenciais na luta contra o sistema financeiro opressor.

Vários entrevistados no documentário são apoiadores ou foram integrantes de governos petistas. Apresentam-se cenas de manifestação em 2020 apoiada pelo movimento sindical na Avenida Paulista, em São Paulo, pessoas com faixas “Fora Bolsonaro”. Fica comprovado o viés ideológico nessa produção.

Faltou analisar a baixa qualidade da educação brasileira, entre as piores do mundo, a ausência de políticas públicas para desenvolvimento urbano. Foram ignorados o fisiologismo e as inúmeras legendas de aluguel, a corrupção bilionária revelada pela Lava Jato, e a subserviência do Estado aos interesses de certos grupos e castas.

O Brasil não tem projeto concreto de nação desenvolvida e próspera. Persiste forte dependência da exportação de commodities agrícolas e minerais. O parque industrial e o capital intelectual foram gradualmente desmobilizados e desestimulados nas últimas décadas.

Os autores revelam desconhecimento sobre a Bolsa de Valores. O mercado de capitais auxilia as empresas que necessitam de capital mais barato para se expandir. Oferece proteção contratual (hedge) e preservação do patrimônio dos fundos de pensão de aposentados.

Os fundos de pensão estão entre os maiores investidores na Bolsa de Valores em vários países. Petrobrás, Eletrobrás, Banco do Brasil e outras estatais possuem ações negociadas na Bolsa de Valores, demonstrando a importância desse mercado.

Na realidade, a Bolsa de Valores socializa a participação no capital e distribuição do lucro das empresas. Qualquer pessoa pode comprar ações, tornando-se sócia de empresas sólidas, investimento acessível. Cerca de 65% dos norte-americanos (200 milhões de pessoas) investe em ações de grandes empresas como Apple, Microsoft, Tesla e outras.

É compreensível o receio do brasileiro sobre o mercado de capitais, pois desconhece suas vantagens. A grande maioria ainda prefere depositar dinheiro na poupança ou outras opções de renda fixa oferecidas pelos bancos, recebendo parcos rendimentos. Menos de 3 milhões de brasileiros operam na Bolsa de Valores.

Nos últimos 40 anos, desde a redemocratização em 1982, o Brasil ainda não conseguiu conciliar desenvolvimento e inclusão social. Mas os culpados não são a Bolsa de Valores ou o capitalismo. Basta verificar os avanços econômicos e sociais dos países desenvolvidos na Europa, Ásia e América do Norte.

Países desenvolvidos são capitalistas e possuem políticas sociais inclusivas (welfare state). A China é exemplo de economia capitalista sofisticada, a despeito de ser governada por comunistas. Esses países investem na educação, incentivam empresas por meio do crédito e mercado de capitais consolidado.

Logo, o problema não é o capitalismo, mas a péssima gestão pública no Brasil. Lamentavelmente, o documentário desviou o foco das causas dos problemas estruturais.

O documentário constata que não existe capitalismo verdadeiro no Brasil, pois os mais ricos e grupos privilegiados estão sempre buscando pagar menos impostos ou obter mais subsídios junto aos diferentes governos. De fato, o país nunca foi capitalista quanto aos fundamentos da livre concorrência.

O Estado brasileiro intervém pesadamente na economia com regulação e fiscalização, excesso de estatais e monopólios, impõe elevada carga tributária. Dessa forma, o governo não cria riquezas, mas gasta muito mal. Desperdiça bilhões em obras com pouca serventia à população, tais como estádios de futebol e complexos olímpicos, e subsídios ou isenções a setores privilegiados.

Brasileiros precisam trabalhar cada vez mais meses no ano para pagar impostos ao governo – eram 5 meses em 2021. Contudo, a população não recebe o retorno sob a forma de serviços públicos com qualidade. Quem pode pagar opta por serviços privados de educação e saúde.

E, assim, sobra pequena parte da renda familiar para consumo, achatando a receita das empresas, dificultando a geração de empregos e novos investimentos. Sem crescimento da renda per capita, não há expansão da economia e redução das desigualdades. Essa é a armadilha da renda média na qual o Brasil está preso.

Apesar das contradições do filme analisado, concordamos que o Brasil precisa se libertar da letargia e reverter a exclusão social. É urgente iniciar amplas reformas econômicas e sociais para assegurar a educação de qualidade, a inovação e o empreendedorismo.

Todavia, a solução não é combater ou extinguir a Bolsa de Valores, mas corrigir as distorções seculares com políticas públicas eficazes e bons projetos de desenvolvimento. O dilema “Bolsa ou a Vida” é falso e maniqueísta, pois os culpados são outros, inclusive os eleitores que escolhem mal seus governantes.

É essencial eleger governantes sérios, responsáveis, comprometidos com a pátria e seus valores. Devemos evitar políticos populistas que se declaram defensores de pobres, mas apenas para mantê-los cativos como eternos eleitores em troca de bolsas-migalhas.

Avaliação do documentário “A Vida ou a Bolsa”

  • Temática: 4, aderente à sustentabilidade, com algumas restrições.
  • Narrativa: 3, diversas distorções utópicas e desconhecimento do sistema financeiro.
  • Fotografia: 4, destaque para imagens do meio ambiente e poesias.
  • Entrevistas: 3, opiniões enviesadas sem contraponto de analistas de mercado.
  • Nota Geral: 3,5

Em síntese, o documentário é recomendado por questionar o fracasso econômico e a desigualdade social no Brasil. Porém, é superficial e tem claro viés ideológico, com distorções utópicas.

Escala: 1 – Péssimo ; 2 – Ruim; 3 – Regular; 4 – Bom; 5 – Excelente

Autor: Rone Antônio de Azevedo, comentarista e especialista em Gestão de Finanças, GEDAF Finanças.

Nobel de Economia 2019 premiou três pesquisadores em redução da pobreza

abril 12, 2020

O Prêmio Nobel 2019 em Ciências Econômicas foi concedido aos pesquisadores Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer. Os laureados foram escolhidos por sua abordagem experimental inovadora para reduzir a pobreza global.

Esse reconhecimento internacional da Real Academia Sueca de Ciências é oficialmente designado por Prêmio Sveriges Riksbank em Ciências Econômicas, em Memória de Alfred Nobel.

Perfil dos laureados

Abhijit Banerjee, nascido em 1961, é natural de Mumbai, Índia. Concluiu o doutorado (PhD) em 1988 pela Universidade de Harvard, Cambridge, EUA. Atualmente, é professor internacional de Economia da Ford Foundation no Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, EUA.

Esther Duflo, nascida em 1972, é oriunda de Paris, França. Conquistou seu doutorado (PhD) em 1999 pelo Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, EUA. É professora de Redução à Pobreza e Economia de Desenvolvimento no Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, EUA.

Michael Robert Kremer, nascido em 1964, é natural de Nova Iorque, EUA. Obteve seu doutorado (PhD) em 1992 pela Universidade de Harvard, Cambridge, EUA. É professor de Sociedades em Desenvolvimento na Universidade de Harvard, Cambridge, EUA.

Laureados do Prêmio Nobel de Economia 2019: Michael Kremer, Esther Duflo and Abhijit Banerjee (Epa/Jonas Ekstromer)

Laureados do Prêmio Nobel de Economia 2019: Michael Kremer, Esther Duflo e Abhijit Banerjee (Epa/Jonas Ekstromer)

Pesquisas econômicas direcionadas ao combate da pobreza global

A pesquisa realizada pelos laureados melhorou consideravelmente a capacidade de combater a pobreza global. Em apenas duas décadas, sua nova abordagem baseada em experimentos transformou a economia do desenvolvimento, agora convertida em campo de pesquisa florescente.

Apesar das recentes melhorias das condições, uma das questões mais urgentes da humanidade é a redução da pobreza global, em todas as suas formas. Mais de 700 milhões de pessoas ainda sobrevivem com rendimentos extremamente baixos. Todos os anos, cerca de cinco milhões de crianças com menos de cinco anos morrem de doenças que poderiam ter sido prevenidas ou curadas com tratamentos baratos. Metade das crianças do mundo  a escola sem habilidades básicas de alfabetização e matemática.

Os laureados apresentaram nova abordagem para obter respostas confiáveis sobre as melhores maneiras de combater a pobreza global. Em resumo, a metodologia por eles desenvolvida consiste em dividir o problema em perguntas menores e mais fáceis de serem analisadas através de experimentação.

Exemplo disso são as intervenções mais eficazes para melhorar o desempenho nos testes educacionais e a saúde infantil. Eles mostraram que perguntas menores e mais precisas geralmente são melhor respondidas por experimentos cuidadosamente projetados com as pessoas mais afetadas. Essas perguntas estão relacionadas à solução do problema geral.

Em meados da década de 90, Michael Kremer e seus colegas demonstraram o poder dessa abordagem usando experimentos de campo para testar a sequência de intervenções que poderiam melhorar os resultados das escolas no oeste do Quênia.

Abhijit Banerjee e Esther Duflo, em parceria com Michael Kremer, realizaram estudos semelhantes sobre outras questões em outros países. Os métodos de pesquisa experimental desses pesquisadores são agora a principal referência para a economia do desenvolvimento.

Aplicação à Educação

Nas pesquisas econômicas sobre Educação, os resultados demonstraram, por exemplo, que distribuir mais livros didáticos por aluno não melhora a pontuação média das turmas nos testes, mas melhorou as pontuações dos alunos mais capazes. Outra constatação, fornecer flipcharts às escolas não teve efeito na melhoria do aprendizado dos alunos. As duas intervenções citadas reduziram o absenteísmo escolar, mas não melhoraram os resultados dos testes para o conjunto de alunos.

Na teoria, o incentivo pode levar os professores a estimular o aprendizado a longo prazo ou, alternativamente, a ensinar visando a melhorar os resultados dos testes. Na prática, o último efeito foi comprovado. Os professores aumentaram seus esforços na preparação dos testes, o que elevou as pontuações dos exames vinculados aos incentivos, mas não afetou as pontuações em exames não relacionados aos mesmos incentivos.

Aplicação à Saúde

A pesquisa econômica aplicada à Saúde foi baseada na assistência por meio clínicas móveis de vacinação (acampamentos), onde a equipe de atendimento estava sempre presente no local. Foram planejadas amostras reduzidas aleatórias desses campos, nos quais pequenos incentivos foram oferecidos às famílias que levaram seus filhos a serem vacinados. As taxas de vacinação atingiram 39% nas comunidades atendidas por “acampamentos com incentivos” comparado a 18% nas comunidades sem incentivos e 6% nas comunidades de controle do experimento.

No entanto, os acampamentos regulares foram bem sucedidos em elevar o número de crianças que receberam ao menos uma injeção de vacina, alcançando nível comparável aos acampamentos com incentivos, respectivamente, em 78 e 74%. Os incentivos foram particularmente eficazes em atrair mais famílias para a vacinação.

Contudo, mesmo distribuindo lembretes dos benefícios e pequenas recompensas não financeiras (1 kg de lentilhas no valor aproximado de um dólar) para cada vacinação, 61% das famílias nas regiões dos acampamentos não tiveram todos os seus filhos vacinados.

Importância de repensar a pobreza e desigualdade global

Economia é, essencialmente, o estudo de decisões frente à escassez de recursos. Especialmente para os mais pobres essas questões são cruciais para sua sobrevivência.

O Banco Mundial considera extremamente pobres aqueles que vivem com menos de 1 dólar (5,10 reais) por dia. Mas como é possível viver com menos do que essa quantia?

No livro Poor Economics: A Radical Rethinking of the Way to Fight Global Poverty (“Economias pobres: um repensar radical da forma de combater a pobreza global”, em livre tradução), os autores Banerjee e Duflo abordaram a pobreza sob a perspectiva radicalmente diferente: aproximando-se da realidade e complexidade da sobrevivência com menos de um dólar por dia.

Nesta publicação, os autores respondem a diversas questões sobre a vida econômica dos mais pobres que enfrentam a extrema escassez, fazendo renúncias e superando desafios diariamente. Por exemplo, as famílias pobres consideram desperdício gastar com educação para todos os filhos, e preferem concentrar o gasto em apenas um deles, geralmente aquele do sexo masculino.

Explicar aos pais que os benefícios da educação são transformadores no longo prazo para todos é muito mais eficaz do que construir mais escolas.

O livro foi publicado em 2012 pela editora PublicAffairs nos EUA, e ainda não foi traduzido para o português. Contudo, estão disponíveis edições nos idiomas inglês e espanhol, confira abaixo.


Fonte: Nobel Academy e Amazon do Brasil, acesso em 12.04.2020.